sexta-feira, 9 de março de 2012

O Tapete resenhado por Zé Pedro Antunes


Sobre Tapete de Silêncio, de Menalton Braff
Por Zé Pedro Antunes*

É mais um romance na profícua carreira literária de Menalton Braff. Afora À Sombra do Cipreste e A Coleira no Pescoço, coletâneas de contos, o romance é o gênero ao qual ele preferencialmente se dedica. Há tempos, ele nos falava de um título que lhe viera de uma expressão de uso bastante comum: “varrer alguma coisa pra debaixo do tapete”.

É significativo que o livro tenha em sua gênese a expressão popular. Ela é profundamente denunciadora dos valores mais arraigados no chamado senso comum, dá nome ao inominável, tenta dizer o que não pode ou não deve ser dito, exorcizar os melindrosos temas do convívio humano.

Em Tapete de Silêncio, um grupo de moradores de uma cidadezinha se reúne – final da noite, “um coreto cercado de chuva por todos os lados” – na praça ao lado da igreja, para uma ação da qual, enquanto ela não se dá, alguns deles sabem tão pouco quanto o leitor. À frente deles, Osório planejou e comanda, por dever de amizade com um dos poderosos locais. E é dali que eles observam o mundo.


E o mundo é o breu, a chuvarada, a cidade encolhida diante da tevê, o padre Ramon Ortega e seu “sotaque de santidade”, suas ameaças contra aquele “bando de fetichistas”, o guarda-chuva que abriga uma velha que não se sabe, o cotidiano raro em raro interrompido por um circo que chega com estardalhaço, um malabarista-galã a colocar em perigo moças de boa família.

Mas o mundo também é lá fora, uma cidade próxima com motel e polícia equipada; é a cidade grande ou são os Estados Unidos, distâncias capazes de abrigar anseios que a cidadezinha não comporta ou espantar receios que ela não suporta.

Em análise mais técnica e alentada, valeria a pena perseguir as tantas elipses ao longo das 123 páginas, que se dividem em 14 capítulos, entremeados por 10 coros. Os coros trazem, em itálicas, sem ordem cronológica, tudo quanto, nos capítulos, o leitor apanha da conversa elíptica dos homens reunidos. O uso da metonímia, um recurso da mesma ordem da elipse: o que se vê (a parte, o ponto de vista dos que observam a partir do coreto), pelo muito que não se vê (o todo, que nem os personagens e nem o leitor vão saber muito bem no final).

“Existe o visível e o invisível. A dificuldade de entendimento da maioria das pessoas é com o que não existe e não se vê.” (p. 51)

É, a meu ver, o livro de Menalton Braff de construção mais engenhosa. A poder de elipses e metonímias, lenta e saborosamente, ele enreda o leitor num acontecimento por vir. Pouso do Sossego é o nome da cidadezinha coberta por um tapete de silêncio, não só naquela noite, em cuja calada estarão em ação alguns dos seus homens, mas na imensa noite dos tempos, em cuja caluda os homens se viram para garantir a possibilidade de viver juntos.

Que nem todas as providências tenham sido tomadas pelo grupo é algo que não se pode dizer um pecado de inverossimilhança. O tapete encobre também o que é silêncio porque (ainda?) não se sabe (direito?) ou não se vai saber (nunca?). Finda a noite, os pouso-sosseguenses estarão a decifrar, na missa daquele domingo, as elipses do Livro Sagrado e da homilía, de acordo com as circunstâncias, ignorâncias, conveniências e expectativas.

Sim, haverá quem saiba de tudo, mais e melhor – por isso, poderosos. A vida é um tapete a abrigar todo tipo de silêncio. Tem o confessionário, tem a barbearia. E é sobre esse imenso tapete que se dá o grande teatro do mundo. Ao final, Osório vai se saber elo de uma estrutura de poder. “Jamais profiram uma só palavra sobre o que vocês viram acontecer nos fundos da delegacia”, ele ordenara. E isso o faz viajar tranquilo em seu tapete mágico de não saber, sobre o qual a vida prossegue como dantes, as coisas voltando a ser apenas as palavras, livres do peso do medonho acontecimento daquela noite.

[Publicado em 29/02/2012 no jornal Tribuna Impressa de Araraquara / Coluna OXOUZINE)
Serão Literário com Menalton Braff / Lançamento: “Tapete de Silêncio” (Global, 2011) – terça, 06/03/2012, no anfiteatro A da Faculdade de Ciências e Letras.  


* Zé Pedro Antunes é doutor pela Unicap em língua e literatura alemãs, tradutor com algumas obras publicadas, professor do Departamento de Letras da UNESP de Araraquara.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

http://twitter.com/Menalton_Braff
http://menalton.com.br
http://www.facebook.com/menalton.braff
http://www.facebook.com/menalton.braff.escritor
http://www.facebook.com/menalton.para.crianças